Deslocamento
aliado a um posterior encontro, que acontece quando vou de um lugar para outro
lugar, de uma praça para outra praça, fazendo um percurso com meu passo,
pedalando, patinetando, atravessando jardins; em Belém bairro de uma cidade que
visitei ao perguntar a localização de um museu, o sujeito me disse que chegaria
ao local depois de percorrer seis jardins. Confesso uma caminhada longa, mas
com o passo seduzido pelo desejo da visão, surge a diferença que nos faz quase
levitar.
“De volta
para o meu aconchego”, pedaço do planeta que escolhi para aprender a entender o
meu mundo e os que me cercam fico com um sentimento de incompletude, como se
estivessem me negando algo que já deveria estar materializado.
Declaro a
minha incompreensão por ter que lutar, ainda, por coisas tão básicas. Quando passeio
pela cidade percebo manutenção nos mesmos pontos, os mesmos buracos sendo
tapados, as bocas de lobo são sempre as mesmas que não suportam a vazão das
águas, a rede de esgotamento sanitário ainda uma ficção no meu trecho, embora
sejamos quase um milhão de pessoas, continuamos a usar fossas ou jogar o esgoto
em rede de águas fluviais que vão para os nossos mananciais de córregos e rios,
ou como em regiões mais afastadas simplesmente deixá-lo correr por calçadas
imaginárias. Semáforos que não são sincronizados, faixas de pedestre que quando
não existem de fato, deixam de existir porque utilizam materiais inapropriados
para sua execução; placas de sinalização depredadas e o poder público não se
preocupa com isso, não repõe, não pune; o deslocamento de muitas gentes é feito
em carcaças dinossáuricas; projetos que não projetam o crescimento da cidade,
parecem feitos para, convenientemente, terem que fazer outro. Não privilegiam formas
de mobilidade que poderiam aliviar a cidade de tanto martírio, tais como as
ciclovias, os calçadões para quem quiser passear com seu passo. A impressão é
que os do paço não se preocupam com o passo; preferem os gabinetes e seus
corredores onde negócios mais interessantes são tratados.
Gosto
das calçadas, das praças, a facilidade para realizar o movimento de ir e vir,
gera uma sensação de felicidade, onde de repente posso intuir e até pensar em
liberdade. Mas existem motivos para pensar que não me querem trafegando nas
suas sinuosidades. Tenho comigo precauções para me embriagar com a variedade
dos desenhos dispostos para meus pés navegarem com tranquilidade; existem
dificuldades cada vez maiores, como se estivéssemos em uma corrida de
obstáculos; são postes mal colocados, buracos, bocas de lobo esfomeadas. Quando
imaginamo-nos livres para o passo, eis que surgem as mesas e cadeiras;
banquinhas e barraquinhas; carros e motocicletas estacionados sem nenhuma
cerimônia, nos empurrando para o asfalto.
Para
atravessar a rua é um sufoco, não tem faixa para pedestre, quando tem, os
insufilmados bólidos não estão nem aí, como no desenho animado andam com um
carimbo para marcar o próximo atropelamento.
E
aquela paradinha para recuperar o fôlego, o olho busca uma ilha na imensidão do
concreto que nos faça esquecer um pouco o turbilhão urbano, mas onde está?
Depois
desta maratona alcançar uma praça seria um derradeiro e mínimo desejo; quando
supostamente avistamos uma, não é exatamente uma praça, nos deparamos com
equipamentos destruídos, falta iluminação, a mais básica das limpezas, aquela
varridinha, uma aparadinha no mato, nem pensar, inexiste. As calçadas, as
praças quando existem, desta forma, passam a ser ocupadas por alguns.
Nas
conversas sobre a Cidade e seus movimentos, percebo uma preocupação excessiva
quando assuntamos para o desejo de bolinar o vento, perceber o deslocamento das
nuvens, sentir os suores e o cheiro das coisas; a noite namorar estrelas e seus
mistérios, saber a resposta da lua aos urros interiores. Só percebo desânimo,
medo. Os espaços estão aí para serem ocupados. Aceitamos muito morna e mansamente
sugestões para o autoconfinamento físico e mental
Nunca
clamamos tanto; o Estado é necessário, mas ocupado por governos medíocres é
como se não existisse, transforma-se em um escritório de representações
comerciais; desta forma começo a compreender a motivação que norteia o
impedimento para o meu, o nosso deslocamento: Só controle, confinado e triste
perco o ânimo, a motivação, passo a enxergar zumbies, até mesmo onde eles não
existem ou ser um.
Tornar oca
uma Cidade que pulsa parece ser a habilidade do momento. Ocar para não
preencher os vazios das gentes. Estratégia criminosa para facilitar o controle,
ao mesmo tempo em que preenche os bolsos já cheios daqueles que executam com certa
maestria esta tarefa. A Cidade é barbaramente violentada quando incapazes ou
mal intencionados extirpam das suas entranhas o talento nato para gerar e
contemplar a cada um o seu quinhão de felicidade.
A Cidade
que eu moro ainda pulsa, quer dar o passo, flerta com as gentes, tenta de
alguma maneira chamar à atenção para a violência que cometem com ela, mas estão
todos em uma espécie de torpor, desinteressados, autoconfinados entre muros e
carnes presidiais. Parece, esqueceram-se que autopreservação, a da espécie, não
pode ser uma coisa individual só acontece se cuidarmos, também, da preservação
do outro.
Neste mundo
onde tudo é ida, a ética do arquiteto sucumbe à estética comercial de mercado e
os não lugares proliferam para que possamos praticar a arte dos desencontros.
Júlio César de Carvalho Jota
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