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segunda-feira, 20 de junho de 2011

DO MITO GREGO DE ANTÍGONA (Parte de uma dissertação)

       Antígona: O Embrião da Desobediência Civil

      Alguns autores que tratam dos direitos humanos e mencionam a desobediência civil, como Rosenfield (2002), fazem referência ao texto para representação teatral Antígona, escrita por Sófocles (496-406 a.C.), o qual conta a história dramática de Antígona, filha de Édipo e Jocasta, sobrinha de Creonte, irmão de Jocasta. Quando Édipo morre em Colono, Antígona volta com sua irmã Ismene para Tebas; onde, com a morte de Édipo, acontece uma disputa para saber quem ocuparia o trono entre Eteocle e Polinice, irmãos de Antígona. Fizeram um acordo em que ficava estabelecido um revezamento anual entre um e outro. Eteocle, porém, vencido o primeiro ano, não cede à vez a Polinice.
      Polinice vai para Argos, cidade rival de Tebas, magoado e rancoroso. Consegue o apoio militar do Rei de Argos para forçar Eteocle a cumprir o combinado, ou seja, entregar-lhe o trono. Depois de uma difícil luta entre os de Argos e aqueles que eram responsáveis pela segurança de Tebas: Morrem nesta luta os dois irmãos, um pela mão do outro. Com a morte de Eteocle, Creonte assume o trono e de imediato proíbe através de um decreto que Polinice seja sepultado, ordena ainda que quem o desobedecer seja morto. Faz um enterro com pompas para Eteocle que morreu pela cidade.
      Este decreto afeta o imaginário grego, pois o pior que pode acontecer com o corpo morto é a putrefação e sua conseqüente dilaceração pelos carniceiros; é um dever sagrado e uma honra para a estirpe enterrar o morto, só assim ele desce ao Hades para proteger todos que pertençam àquela linhagem. Se o cadáver não for sepultado, possibilitando a sua dilaceração, esta mutilação enfraquece o espírito do morto e isto impede que sua força se manifeste.
      Creonte ao enterrar com honras o corpo de Eteocle e impedir o sepultamento de Polinice, ao mesmo tempo em que afina os laços com a Linhagem do morto procura afastar a maldição que recai sobre a sua estirpe.
      Tebas passa por momentos difíceis e Creonte se aproveita para fazer com que o palácio fique mais próximo dele, com um movimento único tenta eliminar a maldição e uma liderança que poderia colaborar para dificultar a sua ascensão e permanência no poder.
      Antígona não concorda, desobedece ao decreto estabelecido por Creonte e, clama pelas leis que não estão escritas, aceitando morrer pelos costumes que são imemoriais e inalienáveis. Combate àqueles que impediam o acesso ao corpo do irmão e faz acontecer o sepultamento.
      A desobediência será causadora de sua morte. No caso, Antígona mencionava a lei divina, que julgava ser mais válida que as do rei e tirano que eram humanas e transitórias. Creonte ao contrário, acredita naquilo que a polis necessita; ambos são castigados (no desenrolar da trama) por não serem maleáveis, radicalizando suas posições. Os gregos julgam que honra ou vergonha em um homem, só se decide por ocasião da hora de sua morte.
      Antígona ao desobedecer o decreto real o faz por uma questão de justiça. Na Grécia dos primórdios, a polis grega era projetada e organizada voltada para os ritos, acenos religiosos e sociais que serviam como cerimônias de travessia. Quando Creonte impede a celebração de uma destas travessias, no caso, o enterro de Polinice, desencadeia a partir de então uma série de acontecimentos que vão extrapolar a própria questão do que é sagrado.
      Antígona, no caso, está sozinha, luta contra um tirano pelos ideais de liberdade ancorada no que a divindade determina e que é inalienável. Antígona uma heroína e Creonte um Tirano. Mas será que é só isto?
      Esta tragédia, se remetida ao nosso tempo, faz-nos refletir sobre as questões de organização social, como governar, fazer justiça; desta maneira se pensarmos a existência humana e suas contradições poder-se-á pensar em como, com mais eficácia, refrear e compreender os seus conflitos.
      Este jogo demonstra algo mais; Antígona não é só aquela defensora que representa a idéia do que é lutar pelas questões humanas, justiça, liberdade e leis eternas; nem Creonte aquele que barbaramente abusa do poder. Antígona representa também, politicamente, uma força grandiosa, assim como Creonte além da aparente condição de tirano luta para livrar Tebas de um desastre previsto. Antígona, ao contrário de Ismena, sua irmã, que é frágil e legítimo modelo do que era a mulher na polis clássica, é forte, truculenta e, com grande presença de espírito.
      Se ética e religiosamente, através da desobediência de Antígona, existe um combate para que o enterro do cadáver de Polinice aconteça, este é um fato que encobre outros acontecimentos que transformam a disputa pelo enterro em algo superficial. Creonte teme que o ato de desobedecer as leis praticado por Antígona, desencadeie um processo de descontrole que possa fragilizar a ordem cívica de Tebas.
      Sófocles pode ter imaginado que a justiça só acontece quando as teceduras das paixões e da razão trafeguem por vias onde as leis universais e as leis humanas ajam em conjunto para criar harmonia entre as partes e seus afetos. (ROSENFIELD, 2002)
      Esta pequena passagem é só para nos mostrar evidencias de que o embrião do conflito entre Estado e Sociedade, causador de desobediências, pode ter surgido ali no mito grego.
      Quando pensamos o humano, seus ritos de passagem e sua ambição maior, que é a liberdade, nos perguntamos: Se vivíamos em um estado de natureza onde éramos senhores de nós mesmos, porque criar mecanismos que venham a tolher nossa liberdade?

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