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Eles não veem novelas, se enovelam em novelos humanos; não velam só revelam a novela humana em novenas sacroprofanas. Júlio César de Carval...

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segunda-feira, 22 de março de 2010

Jota e La Boetie

     
      La Boetie não viveu muito, morreu ainda jovem com 33 anos de idade. Mas foi o suficiente para nos fazer vibrar com seu olhar agudo quando pensa o homem no século XVI no texto que é uma ode a liberdade: Discurso sobre a Servidão Voluntária.
      Parafraseando La Boetie eu penso que aqueles que gozam dos favores da corte, normalmente são os que menos sabem o que é liberdade. Já nasceram com a canga e este acessório passa-lhes desapercebido; é o hábito, o costume, não percebem o veneno: Sentem a necessidade de servir.
      Aquela fidelidade canina a qual muitos se habituam e ofertam, faz com que sintam o desejo do bafo quente daquele que ordena, ignoram a existência de um vento soprando-lhes a face.
      Aquele que faz do jugo o seu pendão se verá mais cedo do que pensa distante daqueles que lhe são próximos. Ao seu redor ficarão aqueles que apreciam a escatofilia e, obviamente, participarão dos violentos despojos, mas pensando, não fazem mal algum a não ser à aqueles que se rodeiam, imagino-os como minúsculos vermes “opressores”.  Abandonam os livros e negam nossos poetas.
      Desconfiem daqueles que vendem a simplicidade porque é deles o reino da tirania. São capazes de cortar o pescoço do ser amado só para mostrar o poder que tem de cortar os pescoços de quem quer que seja. Por isto não amam e não são amados.
      Aqueles que se reúnem para engendrar e cometer injustiças são cúmplices; não existe nenhuma relação de amizade: não são amigos.
      Que agonia é não ter um inimigo declarado, nem um amigo certo. É desesperador não saber o assento do judas.
      Devemos defender nossa cidade do saque e em nenhum momento permitir que a encham de bordéis e azares que tirem à atenção e nos desviem de nossos propósitos.
      Que sejamos marcados pelo horror na tentativa da pilhagem para que não nos esqueçamos daqueles que ousaram tirar nossa liberdade e de como é bom ser livre.
      Não podemos permitir que o poder de um só, aliado às crenças religiosas, determine a desigualdade nas questões políticas fazendo com que nossos movimentos sejam cerceados. É o que acontece quando nos apaixonamos por uma personagem que sempre praticou o bem e jamais pensaríamos que daquela fonte pudesse ser jorrado algo que nos fizesse mal; relaxamos e, invariavelmente, o transformamos em um déspota.
      Quando nos submetemos espontaneamente ao tirano, desejosos de servir; nós o alimentamos com a nossa fraqueza: o combustível do tirano é a nossa pouca vontade de desejar a liberdade.
      Liberdade! Liberdade! Liberdade! Basta deseja-la. Nos faz transpirar por ser um exercício constante; imagino que isto nos leva ao jugo: A preguiça de executar o exercício.
      E bastaria, simplesmente, não mais apóia-lo (o tirano); ignora-lo, como se ele não existisse. Seria o início de sua derrocada. Causar algum entupimento na veia que o alimenta seria a sua ruína.
      Quando a natureza fez suas teceduras, as fez de tal maneira que a impressão é que usou a mesma fôrma para compor o que seria os homens; exatamente para que nós nos reconhecêssemos como semelhantes. Mas dotou alguns com determinadas qualidades e outros com outras; força física, capacidades mentais e espirituais, mas nunca no desenho da sua rede determinou que uns tivessem que ser submissos aos outros.
      Perdemos algo nestas passadas da natureza para a sociedade; aquela coisa do animal que não vende a sua liberdade por nada preferindo a morte ou como o Cavalo que no esporeio empina para demonstrar a sua insatisfação com o arreio.
      Os que conquistam, herdam ou os escolhidos trafegam quase sempre pela mesma via, embora existam algumas diferenças que não são assim tão perceptíveis.
      Os herdeiros imaginam-se comandando escravos; os conquistadores dividem o butim; os escolhidos teriam que desejar governar só o tempo que lhes foi concedido para tal, mas alvoroçam-se e já imaginam uma linha de sucessão; querem ver os filhos ou seus indicados assumindo para que seja perpétuo o seu domínio. Isto acontece com uma rapidez impressionante.
      Enfim, existem variadas maneiras de chegar ao poder, porém no jeito de governar as diferenças não existem, todos tiranizam ao seu modo e, aquele que foi escolhido pelo povo costumeiramente é mais cruel e mais vicioso que o pior dos tiranos. Usando de todos os meios para desviar da mente do povo qualquer idéia de liberdade, aumentando a servidão.
      Muitas vezes nos enganamos fazendo com que nos esqueçamos do significado do que é ser livre, incompreensivelmente, podemos a partir daí sentir mais falta da servidão.
      Nascendo sob o jugo, comodamente, não procuramos nos inteirar do que foi antes, parecendo natural servir. Desta maneira é necessário que tenhamos o passado como memória só assim poderemos nortear o presente para sacudirmos a submissão tão logo a percebamos. Neste caso é fundamental o exercício da razão, fortalece nosso espírito, fazendo-nos imaginar a liberdade mesmo que temporariamente a tenhamos perdido.
      Interessante, quase nunca nos lembramos que quando recebemos algo do Estado é porque ele nos tirou algo antes, portanto, o que recebemos é o que conseguimos recuperar da doação obrigatória que fizemos.
      Prestem atenção nos discursos onde prega-se o bem comum e a utilidade pública, não é raro que ele venha acompanhado de alguma perfídia. Estes discursos camuflados por algum exotismo (alguns tiranos usam máscaras ou adereços), sempre são lidos no meio da noite e o mistério faz com que os súditos, encantados, ofertem a sua alma e o seu corpo em uma bandeja com muito mais desejo. Desta forma as histórias ou as mentiras sempre serão alimentadas pelo próprio povo que se entrega.
      Cuidado séqüitos! O que um tirano mais cobiça é a posse do ouro, de bens. Com o ouro ele compra o seu corpo, a sua alma e tem de volta o mesmo ouro usado para os corromper.
      Aos seguidores de tiranos: Mesmo que consigam sobreviver ao tirano que partiu, não conseguirão sobreviver ao tirano de plantão, lembrem-se: eles também têm seus protegidos.
      Não se deixem enganar pelos sentidos; o tesouro do tirano é reluzente, mas o melhor é fazer como a raposa da fábula que vendo a fingida doença do Leão disse-lhe: “De boa mente entraria no teu covil; mas só vejo pegadas de bichos que entram e nenhuma dos que dele tenham saído”.

Júlio César de Carvalho Jota

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