Quando Nagel diz que a experimentação subjetiva não pode ser simplesmente capturada através de pesquisas fisicalistas; sabedor que é o cientista, o provocador, o indutor de grande parte de suas observações e sem isto muito não aconteceria, percebe que o cientista se vê com dificuldades para continuar procurando coisas que na natureza não se apresenta com transparência. Mas quando observamos a partir de certa distância, sem ter que, previamente, aceitá-las, negá-las ou ter dúvidas sobre elas; as coisas são objetivadas pelo humano que também se objetiva, daí o humano fazer dele mesmo objeto de discussão. Desta forma a busca pela subjetividade do outro é maquiada pela natural objetivação de um fenômeno que só pode ser imaginado. Só o humano pode executar isto.
O conhecimento objetivo se concretiza se a objetivação tiver estrutura para enfrentar a regra da prova. Subjetivamente o que alimenta a consciência é a percepção que capta os momentos vividos aqui e agora; as experiências conscientes não iluminam nem modificam nada, simplesmente nos diz que somos. Mas como não temos condições para enunciar todos os fatos, o que prevalece é o principio da incerteza onde as questões de causa e efeito são superadas pelas de acaso e probabilidade.
Quando isola-se a atividade cientifica, ignorando tudo aquilo que compõe o seu entorno, fazendo com que pesquisadores se enclausurem transformando-se em superespecialistas; neste momento a ciência e o seu conhecimento tornam-se incapazes de pensar o ser humano; de se pensar, porque quem faz a ciência é um ser humano com a fragilidade de suas paixões. Fragmentando-se, a impressão que causa é a não necessidade do conhecimento ser tomado pela reflexão, discutido por estes seres humanos e por todos os outros; mecaniza-lo, computadoriza-lo, facilita a sua manipulação por seguimentos ou instâncias. A ciência nesta sua viagem, onde busca com suas pesquisas o conhecimento, não tem previsão de chegada, existem muitas estações, nunca um ponto final.
Mesmo que houvesse a possibilidade de transcendentalmente fazer com que meu pensamento pudesse ocupar de certa forma o suporte do outro e com o poderio significativo da linguagem entender as proposições que estivessem no pensamento do outro, mesmo assim, usando a lente do suporte alheio, a percepção continuaria sendo a da minha subjetividade.
Nagel para mostrar as diferenças entre subjetividade e objetividade recorre ao exemplo do morcego, pressupondo já que os morcegos podem experienciar subjetivamente algo.
Estive em ambiente onde morcegos irritados tentavam de alguma forma ter este local esvaziado de outros “sujeitos”, naquele momento não percebi, não pude imaginar uma experiência da subjetividade nos morcegos. O que experienciei foi uma forma comportamental; não sei se subjetivamente, engendrada através de processos cognitivos, ou uma reação que os sentidos lhes possibilitaram executar.
Nagel diz que estes animais, por serem também mamíferos, podem de alguma maneira ter experiências e, não se pode duvidar disto. A impressão que fica é que a escolha do morcego para exemplificar esta ação não foi aleatória. Afinal o morcego habita o imaginário humano já há algum tempo. Guatemala, México, o deus morcego dos Maias (Camazotz), Strigoi o vampiro romeno e o Drácula. Mitologicamente do morcego contam-se muitas histórias. Assim sendo para conferir possíveis experiências subjetivas ao morcego foi só um passo.
Quando conta sobre o sistema de localização do morcego, se esquece de mencionar que nem todos os morcegos são cegos; pois alguns distinguem até cores. A audição é fundamental na caça e, este mecanismo de emissão de sons, é utilizado tal qual um sonar para identificar a distância e o tamanho da presa.
Por aí observamos que a construção de um conhecimento passa pela percepção do objeto; onde o homem é mais complexo que a natureza. O Homem é ativo, livre, portanto imprevisível; os fenômenos naturais ao contrário, podem na maioria das vezes serem previstos e algumas vezes até controlados.
Voltando ao Morcego, será que aquilo que ele chamaria de meus significaria conceitualmente o que eu chamo de meus? Penso que, neste caso, até a imaginação seria difícil de ser imaginada. Posso, como Nagel diz, tentar conceber, baseando-me naquilo que a pesquisa cientifica me fornece, um entendimento do que é um morcego anatômica e comportalmente falando. Mas só isto não me permite avançar porque não somos do mesmo tipo, o modelo é diferente. Daí questiono a possibilidade de subjetividade no morcego, porque subjetividade é um conceito humano.
Embora, por mais que pensemos nas intermináveis diferenças que possam existir entre nós e os morcegos, sempre utilizaremos para o nosso entendimento as ferramentas de linguagem humana que temos a mão. Sendo assim por mais que nos aproximemos de experienciar a subjetividade do morcego, a seguinte pergunta teria que ser feita: Subjetividade para o morcego é o mesmo que subjetividade para o ser humano? É uma questão de linguagem, se é que o morcego tem uma linguagem e aí volta à pergunta: A linguagem para o morcego é o mesmo que linguagem para o ser humano.
Para melhor compreensão e, não ficar com o exotismo do exemplo com coisas de tipagem diferentes, Nagel usa como modelo de estudo seres humanos cegos e surdos de nascença; continua afirmando à inacessibilidade a subjetividade destas pessoas, não da mesma forma que pensa a dificuldade de acessar a possível subjetividade do morcego.
Imagino que uma pessoa cega e surda de nascença e sendo do mesmo tipo que uma pessoa que tenha visão e audição normais poderia de certa forma ser, no caso, comparada ao morcego de Nagel.
Vejamos, se vivessem isoladas, isoladas no sentido tecnológico, vivendo as possibilidades com a linguagem que lhes permitiu acessar o mundo; têm a percepção incorporada aos sentidos que restaram e mais alguns que foram extras desenvolvidos em função da deficiência. Mas a linguagem utilizada, até mesmo porque somos da mesma espécie, é basicamente a mesma. Então se eu vejo uma árvore e imediatamente penso árvore; como seria para esta pessoa sem os sentidos da visão e da audição ver uma árvore e no mesmo mo(vi)mento pensar uma árvore? Como é o processo de construção de linguagem para abastecer a memória, a relação do eu subjetivo do cego e surdo com o mundo? Penso que tal qual nos morcegos ou em seres de outras espécies, experienciar a subjetividade de um cego e surdo é inimaginável, embora sejamos do mesmo tipo.
Quando ele diz que teríamos de recorrer ao ponto de vista do morcego para saber como é ser um morcego e se este ponto de vista for de uma maneira parcial, o conceberemos também de forma parcial. Digo que este é um exercício que apesar de viável para nossa imaginação é de um insucesso total; se só, mesmo imaginariamente, conseguimos conceber parcialmente como é ser um morcego, não é um morcego, é só parte dele.
Se somos o que exercitamos, a complexidade para pensar a própria subjetividade aumenta. Quando Nagel diz que sabemos como é ser nós, pergunto qual dos nós? No caso o exercício não é só o da construção do sujeito, mas exercício físico para adquirir força para carregar as máscaras que utilizamos no nosso dia-a-dia. Embaralhamos-nos nos nossos próprios nós.
A linguagem decifra o mundo e minha subjetividade está em relação direta com as possibilidades e os limites do meu conhecimento. Sempre procurando um encaixe para o desencaixe.
A razão com as ferramentas disponíveis não da conta de todos os fatos do mundo. Podemos perceber, mas a estrutura de linguagem não consegue enunciar, explicar determinados fenômenos. De repente editar a realidade é uma prática útil, mas ao mesmo tempo este procedimento dá a impressão que ficcionamos o tempo inteiro para subjetivamente inventar o mundo possível.
Alguns dizem que o ser vivo é uma máquina computacional que realiza operações lógicas para se manter vivo. Não pode errar e se errar compromete a vida. Eu computo em função de mim mesmo, eu computo para viver, eu vivo computando. Ao contrário da máquina artificial que tem um operador por trás dela e, o que de pior pode acontecer é a eliminação de um programa. O erro normalmente é rejeitado naqueles que vivem a vida, mas tem situações que o erro é utilizado como processo de aprendizagem para fazer as correções necessárias e evoluir.
Computar, computar, computar, não é só isto; uma máquina pode executar todos os movimentos programados por um ser humano; sendo que o ser humano responsável por inserir esta programação no artefato, de certa forma, age também como se estivesse programado para executar aquela operação, neste momento se assemelham, não sabem qual a intenção. Daí admitir a imaginação para buscar o fato científico é um passo que pode ser dado.
Concluindo, um artista no seu mergulho criativo desejoso de expurgar o que causa a perturbação, é capaz de objetivar a sua subjetivação. Uns materializam a idéia através de pinturas, desenhos, esculturas eles querem que ela se perpetue. Outros querem que elas desocupem, saiam dele, deixem de importuná-lo; então criam conceitos através de instalações ou artes conceituais, normalmente efêmeras e, quando realizam este movimento, o fazem de tal forma que obriga o observador despir-se de si mesmo para penetrar de certa forma na sua idéia, a tentativa seria a de ser a lente do artista no mergulho.
No caso, para observar esta obra de arte, tenho que estar vazio para entender por que ela me compromete. Como penso que sou um depósito de sepulcros tendo o passo da linguagem como decifrador possível; talvez a dificuldade em ser como o morcego, ou como outro ser qualquer, é esta: Ter o desprendimento necessário para este mergulho, a de estar vazio de mim mesmo.
Júlio César de Carvalho - Jota
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